domingo, 24 de junho de 2018

Porque a vida das mulheres importa


Texto publicado no jornal O Fato em março de 2018.

O mês de março é geralmente o período do mês em que se rendem homenagens a mulheres. Além da celebração do Dia Internacional da Mulher, entidades e organizações costumam dedicar-se a celebrações que se estendem por todo o mês, sempre colocando o foco na mulher e no feminino. A cada ano que passa, no entanto, aumentam os registros de mulheres mortas em casos de violência doméstica ou sexual. O Mapa da Violência de 2015 identificou que a criação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) não representou uma redução no registro de assassinatos de mulheres no Brasil. Seja porque mais mulheres foram mortas, seja porque mais denúncias foram feitas, a lei não conseguiu cumprir seu objetivo de erradicar a violência doméstica. 

Também em 2015 foi alterado o artigo 121 do Código Penal para acrescentar uma qualificadora ao crime de homicídio - surgindo, assim, o feminicídio no Direito brasileiro. Não usarei este espaço para tecer críticas possíveis ao tipo penal, apenas relevar um dos objetivos da alteração legislativa, que foi expor, evidenciar, dar nomea um crime que tem conotação e contexto diferentes do homicídio. 

O feminicídio nomeou o crime de matar mulheres por serem mulheres. Fez com que se expusesse a realidade cultural em que homens se acham no direito de controlar e decidir sobre a vida das mulheres. A alteração normativa não serviu apenas para a agravar a pena do condenado por feminicídio, mas para mostrar que esse crime existe- que mulheres morrem, todos os dias, por serem mulheres, porque a vida delas importa menos do que a vida dos homens

Não são poucas as tentativas de banalizar ou deslegitimar o feminicídio, exatamente como ocorre com a Lei Maria da Penha, já calejada por tantos ataques à sua constitucionalidade. Os argumentos se servem da isonomia, festejado princípio que garante a todos tratamento igualitário da lei, para afirmar que é discriminatório punir com mais rigor um assassino apenas porque sua vítima é mulher. Afirmam, também, que a inclusão do feminicídio no Código Penal foi uma medida desnecessária, uma vez que já existe crime para punir quem mata pessoas. 

Tais argumentos, que se respaldam em uma mítica igualdade entre homens e mulheres, têm o único intuito de desqualificar as lutas femininas e a atenção do Estado para a violência permanente a que as mulheres são submetidas, todos os dias, na sociedade patriarcal ocidental. A maior parte da violência sofrida por mulheres é silenciosa e acontece dentro de casa, cometida por sua própria família. Pais, maridos, companheiros, namorados - esses são os maiores estupradores e assassinos de meninas e mulheres. Mulheres sofrem, de forma recorrente, violência moral e psicológica, tendo violados seus direitos de fala, de participação política, de trabalhar pelo próprio sustento, de decidir sobre sua própria vida e sexualidade. Mulheres devem temer aqueles com quem dividem a cama, aqueles que lhes oferecem flores em dias especiais, aqueles que juraram amá-las. 

A violência contra a mulher reveste-se de características diferentes da violência urbana regular. Mulheres geralmente não morrem nas mesmas situações que homens. Homens, esses que violentam e assassinam mulheres porque elas se recusaram a obedecê-los ou porque não aceitaram ser um mero objeto nas mãos de seus parceiros. Então, o feminicídio veio mostrar a todos e a todas que a vida das mulheres importa, sim. Que a violência contra a mulher é crime, não importando como e em que contexto ela seja cometida. 

Por causa da naturalização da violência contra mulheres, no Brasil, o Estado precisa agir. Alguns passos foram dados, mas ainda são insuficientes. É urgente que políticas públicas sejam pensadas para a redução real do número de feminicídios. Encerro minha participação neste espaço com uma frase que toca o fundo da questão: “Não se nasce mulher, morre-se” (autor anônimo). 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

emerge © , All Rights Reserved. BLOG DESIGN BY Sadaf F K.